Quem era Jesus?
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Postado por Ventos Modernos às 19:54
Cada comunidade cristã enxergou Jesus de uma maneira. Engano aquele que acha que existiu UM cristianismo primitivo. Nem muito menos UM Jesus da fé. Podemos utilizar este sintagma no plural sem medo de cometer equívocos.
Segundo Schillebeeckx, é preciso reconhecer a figura única de Jesus de Nazaré, com sua multiforme riqueza, "aberta" para diversas interpretações possíveis.
Mas, Jesus tinha uma autocompreensão de sua identidade? Basta olharmos para suas mensagens. Era a maneira na qual "se via". Agora, é fator determinante entender que em cada querigma, Jesus se via diferente, isso porque cada comunidade se aproximava com lentes diversas.
Ninguém acha a pólvora por escrever isso, mas tem gente que anda espalhando por aí que conhece Jesus de Alfa a ômega. Isso não é ser um cristão, é ser um historiador de mão cheia.
Ninguém acha a pólvora por escrever isso, mas tem gente que anda espalhando por aí que conhece Jesus de Alfa a ômega. Isso não é ser um cristão, é ser um historiador de mão cheia.
Por: Nelson Lellis
Um dia diremos: "Deus se converteu à humanidade (às humanas)"? - de teologias e visões
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Postado por Ventos Modernos às 14:22
Há certas leituras hermenêuticas
que precisamos parar e pensar. Engolimos muitos conceitos re-torcidos
(ou distorcidos?). Muita tradição. Muitas leituras de terceiros-dogmatizados-inveterados. Muitos
concílios (Ah, os concílios!). Acabamos por beber daquilo que os outros
pensa(ra)m e determina(ra)m na esteira político-religiosa.
E como se foge disso? Descobrindo novos caminhos por onde percorrer destronando a tradição. Possível?
A recente obra do Professor Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro, participante desta página: "Esboços de Teologia Crítica" (Fonte Editorial), oferece, nesta direção, propostas para uma teologia (pós)metafísica e, por isso, muitas inquietações (para mim, como respostas, embora não conclusivas - como o próprio autor afirma). Para Ribeiro, esse novo horizonte já foi aberto com Marx, Nietzsche, Freud, Feuerbach... Todavia, não será uma questão de fácil argumentação por aqui, pois a metafísica lambe, neste contexto em que se diz (pós)moderno, todo o pus da ferida causada por tais pensadores. Ela brinca com os riscos. Blasfema da realidade e engana-se enganando o mundo com suas perspectivas e experiências divinas.
Qual a saída?
Escolher a melhor ideia já estabelecida no século XIX, a cabeça que melhor estrutura os conceitos dentro da realidade. E isso também não é fácil.
Até aqui, ciências humanas?!
E para as relações humanas? Difere?
É quase um caminho impossível para alguns. Poríamos em pauta o assunto da conversão? Não uma conversão no sentido de uma religião para outra, mas uma mudança de vislumbramento do sagrado. Ou, quem sabe, uma nova fronteira de pensamento sobre a relação de Deus-ciência-humanidade? Isto é, a(s) ciência(s) (humanas) como propulsora e intermediadora entre Deus e o homem. (olha a ligação aí!)
E como se foge disso? Descobrindo novos caminhos por onde percorrer destronando a tradição. Possível?
A recente obra do Professor Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro, participante desta página: "Esboços de Teologia Crítica" (Fonte Editorial), oferece, nesta direção, propostas para uma teologia (pós)metafísica e, por isso, muitas inquietações (para mim, como respostas, embora não conclusivas - como o próprio autor afirma). Para Ribeiro, esse novo horizonte já foi aberto com Marx, Nietzsche, Freud, Feuerbach... Todavia, não será uma questão de fácil argumentação por aqui, pois a metafísica lambe, neste contexto em que se diz (pós)moderno, todo o pus da ferida causada por tais pensadores. Ela brinca com os riscos. Blasfema da realidade e engana-se enganando o mundo com suas perspectivas e experiências divinas.
Qual a saída?
Escolher a melhor ideia já estabelecida no século XIX, a cabeça que melhor estrutura os conceitos dentro da realidade. E isso também não é fácil.
Até aqui, ciências humanas?!
E para as relações humanas? Difere?
É quase um caminho impossível para alguns. Poríamos em pauta o assunto da conversão? Não uma conversão no sentido de uma religião para outra, mas uma mudança de vislumbramento do sagrado. Ou, quem sabe, uma nova fronteira de pensamento sobre a relação de Deus-ciência-humanidade? Isto é, a(s) ciência(s) (humanas) como propulsora e intermediadora entre Deus e o homem. (olha a ligação aí!)
Talvez
a questão mais intrigante seja permanecer no mesmo meio religioso em
que se vive e se permitir a transformação de pensamento (ali dentro).
Deixar as leituras mudarem o "ser" e o "Ser" equivocado - visto por nós. É
deixar Deus livre, liberto. Sim, porque se, no pensamento cristão, Ele
veio para libertar, acabamos por escravizá-lo nas teias institucionais e
eclesiais através da hierarquia (dada de cima? humm...).
Aí, entra o Vattimo, com sua obra "Acreditar em Acreditar", uma leitura mais tranquila e relaxante do que a leitura da já referida obra de Ribeiro. (Aliás, quem lê Ribeiro antes do Vattimo, para a leitura no meio.)
Aí, entra o Vattimo, com sua obra "Acreditar em Acreditar", uma leitura mais tranquila e relaxante do que a leitura da já referida obra de Ribeiro. (Aliás, quem lê Ribeiro antes do Vattimo, para a leitura no meio.)
(...)
Desconectar
os sentidos imediatos arraigados pela tradição e crer numa manifestação
da dúvida, dos novos olhares. Há que se ter uma sensibilidade aguçada
para descrer do óbvio e cavar mais profundamente aquilo de que
inventamos para gestar sentidos na humanidade. É mais do uma leitura (pós)metafísica para a Teologia, é uma leitura para os relacionamentos humanos.
Uma proposta: a conversão de Deus para o homem. Não é uma relação de revelações, mas de afinidades
kenóticas. Não é uma relação de autoritarismos, violências,
sanguinolências, mas de amizade. Uma conversão de cima para baixo. Não
para implementar um modelo humano (na linguagem religiosa: mundano) para Deus, mas para trazê-lo à
existência como a um Humano. Para Vattimo, a proposta seria esta.
Verificar, sem deixar os ensinamentos cristãos (o Osvaldo, acho, fica doido com
isso), mas aproveitar os seus ensinamentos ressignificando-os (termo-método utilizado na neuroliguística) para nosso tempo.
Ressignificar. Ressignificar é consultar as mesmas fontes com olhos abertos. Bem abertos. Daí, senhores e senhoras, minha cabeça gira em torno destes supracitados autores e obras. Duro mesmo será conviver neste mundo-religioso sem atentar para o esvaziamento de si e esvaziamento do Si.
E como dizemos no interior: "entra pra ver".
Por: Nelson Lellis
Dos grupos judaicos e de um cristianismo autônomo (?)
sábado, 30 de março de 2013
Postado por Ventos Modernos às 11:22
Temos, no séc. I,
uma Judeia governada por estrangeiros, mas um judaísmo que conseguiu manter suas instituições. Havia um clero fortemente estabelecido e, através do sinédrio, suas posições políticas eram determinadas.
A Palestina do século I exibe um judaísmo com diferentes vertentes. De
longe, aquele imaginário bloco monolítico é desfeito com a presença dos
seguintes grupos: fariseus (os separados), saduceus e essênios. São estes os três principais
citados pelo historiador Flávio Josefo.
O grupo dos saduceus, que era integrado por sacerdotes e aristocratas e possuíam certa relação com Roma. A cultura helênica estava impregnada na veia de cada integrante. Além de negar a vida após a morte (ressurreição), não nutriam esperança de um messianismo.
Os fariseus, ao contrário dos saduceus, procuravam focar mais a religião do que a política. Buscavam, entre as massas, ensinar através da tradição, a santidade e a esperança do messias.
Provavelmente, João, o Batista, tenha se originado de um dos grupos místicos existentes entre comunidades de fé - como a comunidade de Qumran, à margem do mar Morto.
Esse mesmo grupo nos revela a outra vertente do judaísmo, os essênios. Consideravam a si mesmos como remanascentes fieis da história de seu povo.
Segundo Josefo, guardavam a lei, mantinham rituais de purificação periódica, renovavam
constantemente sua adesão à aliança com Deus e participavam de uma
refeição sagrada de pão e vinho. Acreditavam no estabelecimento próximo
de um reino trazido por um novo profeta. Apoiavam os fariseus (embora não concordassem com a prática do celibato, o não envolvimento dos animais em sacrifícios e não acreditarem na ressurreição do corpo) e eram contra os saduceus. Acreditavam na imortalidade da alma. Alguns afirmam que Jesus pertencia ao grupo dos essênios.
Outros grupos também faziam parte do cenário, como os herodianos (que apoiou a política e a família dos Herodes); os zelotes - que também eram conhecidos como sicários, devido o punhal que levavam escondido e com o qual atacavam seus inimigos (de caráter militarista e revolucionário opondo-se duramente à ocupação romana); os levitas (que formavam o clero do Templo de Jerusalém e que eram responsáveis pelos sacrifícios e por toda a liturgia); os escribas (conhecedores e comentadores da Lei); os movimentos batistas (que mantinham as práticas de batismo de João); e etc.
O cristianismo, por longos anos, fora uma fatia do judaísmo. Com a Guerra Judaica, no final do séc. I, e a extinção da grande maioria das facções judaicas, o judaísmo gerou o cristianismo como religião autônoma. Mas o cristianismo jamais se lançou para fora dos arraiais judaicos. Enquanto Jesus trilhava com seus ensinamentos para um lado, o cristianismo buscava reconstruir todos os Templos e dogmas que Ele havia dito "eu porém vos digo...".
No presente século, por exemplo, os cristãos ocidentalizam a Bíblia para seus relacionamentos cotidianos, mas por outro lado, orientalizam suas práticas litúrgicas. E vale lembrar que os relacionamentos não são vivenciados livremente em Deus se a mente ainda é apriosionada aos simbolismos passados. A libertação se dá pelos exemplos de rua de Jesus e não pelas correntes de uma lei que ausentam o bendito dito "eu porém vos digo...".
Tanto a retórica como a práxis cristã desvalidam os ditos do Cristo para a autonomia da vida religiosa judaica, tornando-a uma vida puramente religiosa nos moldes dos símbolos e das analogias.
Talvez, aquele que se interessar viver uma vida como a do Cristo, deverá pagar o mesmo preço: autonomia para amar a quem se precisa de amor. E o final, todo mundo já sabe.
Por: Nelson Lellis
Habemus Papam Franciscum
quinta-feira, 14 de março de 2013
Postado por Ventos Modernos às 16:42
Depois de dois dias de um conclave que com certeza será fonte de
inspiração para muitos diretores de cinema, dadas as dificuldades para
se ter informações e dado o forte simbolismo que cercou o evento, Jorge
Mário Bergoglio, um cardeal argentino, arcebispo de Buenos Aires, foi
escolhido o novo Papa da Igreja Católica Apostólica Romana, gerando um
misto de surpresa e contentamento.
Para os mais entendidos no assunto, a escolha de Jorge Mário é um "golpe
de mestre" da Santa Sé, já que o desgaste provocado pelo clero católico
clamava por uma grande renovação e por uma inédita atenção à América
Latina, bem como à África, que também vinha forte no conclave que hoje
se encerrou. O Brasil, maior país católico do mundo, ficou de fora,
pois, segundo as más (ou seriam boas?) línguas, na condição de favorito
(quase que) absoluto, o cardeal Dom Odilo Scherer não deveria ter dito o
que disse em Roma no último dia de preparação para o conclave. Segundo o
jornal "La Reppublica", as chances do brasileiro papável foram ao chão
após uma preleção onde nosso patrício defendeu a atual situação da
Igreja, falando bem do Instituto para Obras da Religião (IOR) e, o que
seria ainda mais "imperdoável", elogiando a gestão do Banco do Vaticano,
tão manchada pelas denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro.
Ainda assim, o Brasil ficou de fora, mas nem tanto. Ter um Papa
argentino, um latino-americano pela primeira vez na história, já é uma
grande coisa, já que o conservadorismo de grande parte da cúria romana
apregoava uma volta aos tempos em que o Papa teria de ser um italiano.
Diga-se de passagem, desde Carol Wojtyla que a regra se quebrou, pois
aquele polonês foi sucedido por um alemão e este, para surpresa (?)
geral, por um latino-americano, um argentino. Se escolhido o cardeal
africano Wilfrid Napier, arcebispo de Durban, a jogada de Roma teria
sido ainda mais perfeita, mas, para sermos bem francos, não há força em
Roma para tanta "fraqueza" assim.
Antes que pareça uma revolução na cúria, é bom que lembremos que Jorge
Mário é extremamente conservador, chegando ao ponto de ser veementemente
contra todas as questões para as quais se espera uma abertura da parte
dos católicos. Para a união civil de homossexuais e para o uso de
preservativos, sem titubeio, Jorge Mário diz um sonoro "não". Mas isso
não tira do novo Papa um ar gracioso e uma maneira de lidar com o
público e com a mídia que parecem lembrar o, para os católicos, saudoso
João Paulo II. Como foi dito neste espaço, no texto anterior, era por um
novo carismático e midiático que se esperava, já que Bento XVI, o nosso
agora novamente Joseph Ratzinger, era bom de Teologia, mas péssimo de
mídia.
A prova de que Jorge Mário é bem mais "pop" se mostrou logo no primeiro
momento de seu papado. Falando ao público que aos prantos o esperava na
praça da Basílica de São Pedro, Jorge Mário Bergoglio disse: "meus
amigos cardeais me acharam no fim do mundo", o que provocou risos e
empatia do público e da mídia que acompanhava tudo. Pelo visto, então,
parece que Roma acertou em cheio e deve ter conseguido eleger mais um
"papa pop". Ops, perdoem o vacilo; Roma não escolheu, foi o Espírito
Santo.
Se o Espirito escolheu Jorge Mário, Jorge Mário escolheu ser Francisco.
Papa Francisco. O melhor de tudo é que, se todo esse evento for política
pura, ao menos o nome nos servirá de inspiração para uma mudança real,
já que, ao escolher o nome de alguém que deixou a riqueza para vestir
sandálias de gente simples e andar no meio do povo, Jorge Mário se
reveste de Francisco de Assis, aquele que renovou a Igreja num momento
histórico muito parecido com o que os católicos hoje vivenciam.
Ser simples e ser "pop"; eis a dificílima missão de Francisco. Se a
busca for por um novo João Paulo II, o começo já parece ser bem
promissor, pois o novo Papa, para além de torcedor inveterado do San
Lorenzo, time de futebol argentino, é xará de um grande músico
brasileiro, o também Jorge Mário, "Seu Jorge". Com compromisso marcado
para falar na Jornada Mundial da Juventude, evento católico que vai
mexer com o Brasil já neste 2013, Jorge Mário Bergoglio tem tudo para
fazer o que Carol Wojtyla conseguiu. Para tanto, é só vibrar quando o
saudarem com as seguintes palavras: "Seja bem vindo, aqui nós adoramos
ser filhos de Francisco. Salve Jorge!".
Por: Cleinton Souza
Já não temos mais um Papa
terça-feira, 5 de março de 2013
Postado por Ventos Modernos às 12:49
Mexendo com a história da ainda muito poderosa Igreja Católica
Apostólica Romana, Bento XVI acaba de renunciar. Foram oito anos de um
pontificado que se mostrava "sem qualquer novidade", logo de início. Ao
optarem pelo alemão Joseph Ratzinger, os cardeais católicos colocavam
como líder máximo da cúria romana um dos mais geniais e também um dos
mais conservadores teólogos de que se tinha notícia. No que nos toca
mais proximamente, tratava-se daquele que, tendo sido presidente da
"Congregação para a Doutrina da Fé" (Congregatio pro Doctrina Fidei),
tinha sido o responsável pela excomunhão de um teólogo e frei
brasileiro; o hoje apenas escritor e palestrante, Leonardo Boff.
Ratzinger, tendo escolhido o nome de Bento XVI, iniciou seu pontificado
com uma missão quase impossível: substituir a contento Carol Wojtyla, o
Papa João Paulo II, conhecido mundialmente pelo seu carisma e por sua
postura extremamente midiática, o que fez com que ele fosse até chamado
de "o Papa pop", rendendo-lhe até refrão no rock brasileiro dos anos
1980. E isso, embora o pudesse "assustar", em nenhum momento o fez, até
porque Wojtyla vinha de uma carreira de ator e bailarino na Polônia, sua
terra natal, o que lhe deve ter ensinado a lidar com toda sorte de
exposição ao público e à mídia.
Para muitos, a escolha de Ratzinger há quase uma década seria um grande
retrocesso, visto que o mesmo não trazia nem de longe o carisma e a
popularidade do antecessor. Todavia, surpreendem as decisões tomadas em
tão pouco tempo de pontificado, haja vista o fato de ele ser considerado
ultraconservador e, com toda certeza, "inferior" a um antecessor que,
de tão popular, chegou a inspirar torcidas de futebol, algo jamais
imaginado para o décimo sexto Bento. Para que as tais decisões raras
acontecessem, Bento XVI fez já em 2005 uma análise da situação da cúria
romana, o que o fez chegar a uma conclusão demasiado forte: "quanta
sujeira e quanta soberba existe na igreja e entre aqueles que se
deveriam entregar ao Redentor".
Buscando fazer algo que pudesse "limpar" tal sujeira, Bento XVI expulsou
o mexicano Marcial Maciel, fundador dos "Legionários de Cristo", por
conta de casos de pedofilia. Na mesma linha, o Papa modificou o Código
Canônico, instituindo a política de tolerância zero com os clérigos que
tivessem em seu poder qualquer tipo de pornografia infantil, e
entregando-os à justiça comum, já que "o perdão não substitui a
justiça". Ainda, denunciou a corrupção e o tráfico de influência no
Vaticano, pedindo inclusive uma varredura no banco local, o que fez com
que muita sujeira e atos de corrupção fossem encontrados. Também, e
embora tenha continuado contrário ao sacerdócio de homossexuais,
concedeu mais dispensas do que João Paulo II para que padres pudessem se
casar.
Deste modo, e numa análise comparativa, a surpresa se estabelece: muito
mais conservador parece ter sido Carol Wojtyla. Progressista mesmo foi
Joseph Ratinger, já que este mexeu no vespeiro que o antecessor parecia
fingir que não existia. A diferença se coloca claramente, mas quase não
foi percebida, já que a condição de "homem de mídia", fortemente
vivenciada por João Paulo II, chegou até a confundir o filósofo
brasileiro Luiz Felipe Pondé, que enxergou mais benefícios naquele do
que no Bento que agora renuncia. Para Pondé, Bento XVI errou por não
saber falar às massas, mas, na verdade dos fatos, João Paulo II, tão bom
de massas, não fez para além de instituir mundo afora uma rede de mídia
que o ajudou a ajustar contas com os regimes comunistas, já que ele
conseguia, fora da "cortina", o cego e incondicional apoio de outros
tipos de "Pravdas" e "Izvestiyas" (jornais russos), coisa que Stalin
também conseguia, só que do lado de dentro.
A pergunta que não cala, portanto, é: se sai um Papa que, esgotado por
não conseguir mudar o estado de coisas que se estabeleceu no Vaticano, e
deixando um insuportável lamaçal e uma penosa agenda para o sucessor,
qual será a escolha do conclave que agora se inicia? Um Papa mais jovem e
duro com as posturas seculares da corrupta cúria romana (como quer
Joseph Ratzinger, que inclusive apoia o Concílio Vaticano II, uma
espécie de abertura da igreja para o mundo, praticamente ignorado por
João Paulo II), ou um "amigo de todos", inspirador de torcidas de
futebol e ator de grande categoria? E o primeiro item da agenda papal;
será mesmo uma revisão do celibato clerical? Claro que não; falar de
celibato é falar de algo que só midiaticamente interessa. Muito mais
interessante é começar por uma séria reflexão sobre uma manchete de
jornal do dia seguinte à renúncia de Joseph Ratzinger: "Ao deixar
pontificado, Bento XVI perde o dom que o tornava infalível". Haja
debate.
Por: Cleinton Souza
QUARESMA 2013 | A morte do macho e a ressurreição do novo homem
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Postado por Ventos Modernos às 16:10
No caminho da boa reflexão cristã conversão é algo que experimentamos
muitas vezes ao longo da vida. À luz do evangelho de Cristo somos
desnudados constantemente descobrindo aspectos em nós que carecem de
transformação a fim de serem adequados às exigências do Reino.
A quaresma como tempo litúrgico só faz apontar para a dinâmica da vida com seus ritmos e tempos apropriados. Na extensão de nossa vida os períodos de reclusão e meditação são fundamentais. Neles sentimos toda a espessura de nosso ser, pois nos atrevemos a uma olhada franca para o nosso coração. Esse perscrutar a si mesmo, iluminado pela palavra de Cristo, nos leva à conversão.
Dentre os muitos aspectos que clamam por conversão nessa nossa saborosa existência humana me proponho refletir sobre apenas um: a noção de masculinidade. Como a quaresma é tempo que antecede e prepara a celebração da ressurreição de Jesus — que é ícone de toda ressurreição —, proponho que meditemos sobre a morte do macho e a ressurreição do novo homem. Esse caminho quaresmal que corpos, corações e almas masculinos são chamados a fazer é a trajetória da conversão.
Tomo como texto iluminador dessa singela peregrinação quaresmal João 12.24. “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto”.
A masculinidade tem sido interpretada ao longo de nossa história preponderantemente sob o signo do macho. Tal interpretação aprisionou o homem numa cadeia de virilidade, violência, poder, insensibilidade e solidão. Dessa cadeia, essa masculinidade pervertida fez seu trono. Um trono que como qualquer outro se constitui em espaço de poder e tirania. Sentado em seu trono, empunhando o fálico cetro, o homem macho dispõe como quer de seus súditos, que não são somente as mulheres como por vezes se imagina, mas também seu próprio ser masculino (que estamos chamando de homem novo) que, reprimido dentro da casca de macho, sucumbe às dores de não poder se expressar.
O macho é um ser só, ou melhor, um quase-ser só. É só, numa sala de espelhos onde tudo que vê é reflexo de sua violência, de sua virilidade, de sua insensibilidade. De vez em quando uma voz lhe soa ao ouvido lembrando que “homem que é homem não chora”, que “macho mesmo é aquele que não leva desaforo para casa”, que “mulher é coisa para comer”. Essa voz, contudo, não o faz menos solitário. Ao contrário, ela só faz aprofundar o abismo da solidão. Ao aceitar a insensibilidade, distancia sua alma; ao assumir a violência, aprisiona seu corpo; ao entrar na ciranda da virilidade falicamente resumida, encarcera seu coração.
Se o grão de trigo não morrer viverá na solidão. Se o macho não morrer viverá encarcerado. Se o grão-macho de homem-trigo não morrer, viverá encarcerado na solidão. O caminho da morte é o único que pode salvar a masculinidade dos contornos perversos do macho. É preciso deixar morrer o invólucro de insensibilidade que prende a alma não a deixando experimentar sua condição de animus e anima. É necessário fazer morrer os mecanismos de violência que atrofiam o corpo, impedindo-o do toque meigo. É urgente ver definhar a coisificação do sexo que brutaliza o coração.
Mas, se o grão de trigo morrer, dá muito fruto. Esse é o movimento de conversão tão próprio da quaresma. Morrer para viver. Morrer para ressuscitar. Morrer para reencontrar-se na companhia fraterna de muitos e muitas. O grão vivo cai na terra e é abrigado por seu ventre generoso. Ali ele vê seus limites rompidos para o surgimento de uma forma mais bela de existência. O macho que permite tal morte pode encontrar no ventre da vida um lugar onde sua verdadeira masculinidade pode arrebentar o invólucro aprisionador, dando lugar a tal existência tão mais plena e cheia de vida.
Convertei-vos! Esse é o apelo da quaresma. Ressuscitai! É o apelo da páscoa. Convertei-vos, oh machos, deixai morrer o velho homem. Isso é o que nos diz o ser de Jesus, em sua alma, corpo e coração. Transformado, o grão solitário é agora ramo mais forte que partilha com os outros ramos a festa da vida. O caminho da morte à vida, do macho ao novo homem, é o acolhimento da fragilidade. Somente no caminho da fragilidade pode haver ressurreição. Frágeis, nos lançamos no ventre da vida, que é o coração materno de Deus, e ali somos restaurados.
Do ventre da vida surge o novo homem. Seu novo ser resplandece pela luz da ressurreição. Não se pode esconder de ninguém tal transformação. É uma luz que não se pode esconder debaixo de um cesto. Ali onde está plantado, novas relações se estabelecem. Os relacionamentos, o trabalho, a Igreja, a família etc., todas testemunham a força da ressurreição. Todos testemunham o vigor da páscoa e reconhecem a força da quaresma.
Para ilustrar o quanto o novo homem ressuscitado se faz notar, divido com você a canção que pode ser chamada de uma canção litúrgica da liturgia ordinária da vida.
Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz
(Valsinha, Chico Buarque)
Essa chegada “tão diferente” é o caminho feito da ressurreição à porta da casa. Chegamos ao mesmo lugar só que não mais como os mesmos homens. Não somos mais machos. Somos novos homens. Acredite, essa conversão pode tudo, desde a companheira que se “fez bonita como há muito tempo não queria ousar”, passando pela “vizinhança [que] despertou”, chegando a “toda cidade [que] se iluminou”. Dessa forma, quem sabe, possamos ainda celebrar “que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz”.
A quaresma como tempo litúrgico só faz apontar para a dinâmica da vida com seus ritmos e tempos apropriados. Na extensão de nossa vida os períodos de reclusão e meditação são fundamentais. Neles sentimos toda a espessura de nosso ser, pois nos atrevemos a uma olhada franca para o nosso coração. Esse perscrutar a si mesmo, iluminado pela palavra de Cristo, nos leva à conversão.
Dentre os muitos aspectos que clamam por conversão nessa nossa saborosa existência humana me proponho refletir sobre apenas um: a noção de masculinidade. Como a quaresma é tempo que antecede e prepara a celebração da ressurreição de Jesus — que é ícone de toda ressurreição —, proponho que meditemos sobre a morte do macho e a ressurreição do novo homem. Esse caminho quaresmal que corpos, corações e almas masculinos são chamados a fazer é a trajetória da conversão.
Tomo como texto iluminador dessa singela peregrinação quaresmal João 12.24. “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto”.
A masculinidade tem sido interpretada ao longo de nossa história preponderantemente sob o signo do macho. Tal interpretação aprisionou o homem numa cadeia de virilidade, violência, poder, insensibilidade e solidão. Dessa cadeia, essa masculinidade pervertida fez seu trono. Um trono que como qualquer outro se constitui em espaço de poder e tirania. Sentado em seu trono, empunhando o fálico cetro, o homem macho dispõe como quer de seus súditos, que não são somente as mulheres como por vezes se imagina, mas também seu próprio ser masculino (que estamos chamando de homem novo) que, reprimido dentro da casca de macho, sucumbe às dores de não poder se expressar.
O macho é um ser só, ou melhor, um quase-ser só. É só, numa sala de espelhos onde tudo que vê é reflexo de sua violência, de sua virilidade, de sua insensibilidade. De vez em quando uma voz lhe soa ao ouvido lembrando que “homem que é homem não chora”, que “macho mesmo é aquele que não leva desaforo para casa”, que “mulher é coisa para comer”. Essa voz, contudo, não o faz menos solitário. Ao contrário, ela só faz aprofundar o abismo da solidão. Ao aceitar a insensibilidade, distancia sua alma; ao assumir a violência, aprisiona seu corpo; ao entrar na ciranda da virilidade falicamente resumida, encarcera seu coração.
Se o grão de trigo não morrer viverá na solidão. Se o macho não morrer viverá encarcerado. Se o grão-macho de homem-trigo não morrer, viverá encarcerado na solidão. O caminho da morte é o único que pode salvar a masculinidade dos contornos perversos do macho. É preciso deixar morrer o invólucro de insensibilidade que prende a alma não a deixando experimentar sua condição de animus e anima. É necessário fazer morrer os mecanismos de violência que atrofiam o corpo, impedindo-o do toque meigo. É urgente ver definhar a coisificação do sexo que brutaliza o coração.
Mas, se o grão de trigo morrer, dá muito fruto. Esse é o movimento de conversão tão próprio da quaresma. Morrer para viver. Morrer para ressuscitar. Morrer para reencontrar-se na companhia fraterna de muitos e muitas. O grão vivo cai na terra e é abrigado por seu ventre generoso. Ali ele vê seus limites rompidos para o surgimento de uma forma mais bela de existência. O macho que permite tal morte pode encontrar no ventre da vida um lugar onde sua verdadeira masculinidade pode arrebentar o invólucro aprisionador, dando lugar a tal existência tão mais plena e cheia de vida.
Convertei-vos! Esse é o apelo da quaresma. Ressuscitai! É o apelo da páscoa. Convertei-vos, oh machos, deixai morrer o velho homem. Isso é o que nos diz o ser de Jesus, em sua alma, corpo e coração. Transformado, o grão solitário é agora ramo mais forte que partilha com os outros ramos a festa da vida. O caminho da morte à vida, do macho ao novo homem, é o acolhimento da fragilidade. Somente no caminho da fragilidade pode haver ressurreição. Frágeis, nos lançamos no ventre da vida, que é o coração materno de Deus, e ali somos restaurados.
Do ventre da vida surge o novo homem. Seu novo ser resplandece pela luz da ressurreição. Não se pode esconder de ninguém tal transformação. É uma luz que não se pode esconder debaixo de um cesto. Ali onde está plantado, novas relações se estabelecem. Os relacionamentos, o trabalho, a Igreja, a família etc., todas testemunham a força da ressurreição. Todos testemunham o vigor da páscoa e reconhecem a força da quaresma.
Para ilustrar o quanto o novo homem ressuscitado se faz notar, divido com você a canção que pode ser chamada de uma canção litúrgica da liturgia ordinária da vida.
Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz
(Valsinha, Chico Buarque)
Essa chegada “tão diferente” é o caminho feito da ressurreição à porta da casa. Chegamos ao mesmo lugar só que não mais como os mesmos homens. Não somos mais machos. Somos novos homens. Acredite, essa conversão pode tudo, desde a companheira que se “fez bonita como há muito tempo não queria ousar”, passando pela “vizinhança [que] despertou”, chegando a “toda cidade [que] se iluminou”. Dessa forma, quem sabe, possamos ainda celebrar “que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz”.
Por: Alessandro Rocha
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