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sexta-feira, 27 de março de 2015


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Quem era Jesus?

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Cada comunidade cristã enxergou Jesus de uma maneira. Engano aquele que acha que existiu UM cristianismo primitivo. Nem muito menos UM Jesus da fé. Podemos utilizar este sintagma no plural sem medo de cometer equívocos. 

Segundo Schillebeeckx, é preciso reconhecer a figura única de Jesus de Nazaré, com sua multiforme riqueza, "aberta" para diversas interpretações possíveis.

Mas, Jesus tinha uma autocompreensão de sua identidade? Basta olharmos para suas mensagens. Era a maneira na qual "se via". Agora, é fator determinante entender que em cada querigma, Jesus se via diferente, isso porque cada comunidade se aproximava com lentes diversas.

Ninguém acha a pólvora por escrever isso, mas tem gente que anda espalhando por aí que conhece Jesus de Alfa a ômega. Isso não é ser um cristão, é ser um historiador de mão cheia.

Por: Nelson Lellis
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Um dia diremos: "Deus se converteu à humanidade (às humanas)"? - de teologias e visões

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Há certas leituras hermenêuticas que precisamos parar e pensar. Engolimos muitos conceitos re-torcidos (ou distorcidos?). Muita tradição. Muitas leituras de terceiros-dogmatizados-inveterados. Muitos concílios (Ah, os concílios!). Acabamos por beber daquilo que os outros pensa(ra)m e determina(ra)m na esteira político-religiosa.

E como se foge disso? Descobrindo novos caminhos por onde percorrer destronando a tradição. Possível?

A recente obra do Professor Dr. Osvaldo Luiz Ribeiro, participante desta página: "Esboços de Teologia Crítica" (Fonte Editorial), oferece, nesta direção, propostas para uma teologia (pós)metafísica e, por isso, muitas inquietações (para mim, como respostas, embora não conclusivas - como o próprio autor afirma). Para Ribeiro, esse novo horizonte já foi aberto com Marx, Nietzsche, Freud, Feuerbach... Todavia, não será uma questão de fácil argumentação por aqui, pois a metafísica lambe, neste contexto em que se diz (pós)moderno, todo o pus da ferida causada por tais pensadores. Ela brinca com os riscos. Blasfema da realidade e engana-se enganando o mundo com suas perspectivas e experiências divinas.

Qual a saída?

Escolher a melhor ideia já estabelecida no século XIX, a cabeça que melhor estrutura os conceitos dentro da realidade. E isso também não é fácil.

Até aqui, ciências humanas?!

E para as relações humanas? Difere?

É quase um caminho impossível para alguns. Poríamos em pauta o assunto da conversão? Não uma conversão no sentido de uma religião para outra, mas uma mudança de vislumbramento do sagrado. Ou, quem sabe, uma nova fronteira de pensamento sobre a relação de Deus-ciência-humanidade? Isto é, a(s) ciência(s) (humanas) como propulsora e intermediadora entre Deus e o homem. (olha a ligação aí!)

Talvez a questão mais intrigante seja permanecer no mesmo meio religioso em que se vive e se permitir a transformação de pensamento (ali dentro). Deixar as leituras mudarem o "ser" e o "Ser" equivocado - visto por nós. É deixar Deus livre, liberto. Sim, porque se, no pensamento cristão, Ele veio para libertar, acabamos por escravizá-lo nas teias institucionais e eclesiais através da hierarquia (dada de cima? humm...).

Aí, entra o Vattimo, com sua obra "Acreditar em Acreditar", uma leitura mais tranquila e relaxante do que a leitura da já referida obra de Ribeiro. (Aliás, quem lê Ribeiro antes do Vattimo, para a leitura no meio.)

(...)

Desconectar os sentidos imediatos arraigados pela tradição e crer numa manifestação da dúvida, dos novos olhares. Há que se ter uma sensibilidade aguçada para descrer do óbvio e cavar mais profundamente aquilo de que inventamos para gestar sentidos na humanidade. É mais do uma leitura (pós)metafísica para a Teologia, é uma leitura para os relacionamentos humanos.

Uma proposta: a conversão de Deus para o homem. Não é uma relação de revelações, mas de afinidades kenóticas. Não é uma relação de autoritarismos, violências, sanguinolências, mas de amizade. Uma conversão de cima para baixo. Não para implementar um modelo humano (na linguagem religiosa: mundano) para Deus, mas para trazê-lo à existência como a um Humano. Para Vattimo, a proposta seria esta. Verificar, sem deixar os ensinamentos cristãos (o Osvaldo, acho, fica doido com isso), mas aproveitar os seus ensinamentos ressignificando-os (termo-método utilizado na neuroliguística) para nosso tempo. 

Ressignificar. Ressignificar é consultar as mesmas fontes com olhos abertos. Bem abertos. Daí, senhores e senhoras, minha cabeça gira em torno destes supracitados autores e obras. Duro mesmo será conviver neste mundo-religioso sem atentar para o esvaziamento de si e esvaziamento do Si.

E como dizemos no interior: "entra pra ver".

Por: Nelson Lellis
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Dos grupos judaicos e de um cristianismo autônomo (?)

sábado, 30 de março de 2013


Temos, no séc. I, uma Judeia governada por estrangeiros, mas um judaísmo que conseguiu manter suas instituições. Havia um clero fortemente estabelecido e, através do sinédrio, suas posições políticas eram determinadas.

A Palestina do século I exibe um judaísmo com diferentes vertentes. De longe, aquele imaginário bloco monolítico é desfeito com a presença dos seguintes grupos: fariseus (os separados), saduceus e essênios. São estes os três principais citados pelo historiador Flávio Josefo.

O grupo dos saduceus, que era integrado por sacerdotes e aristocratas e possuíam certa relação com Roma. A cultura helênica estava impregnada na veia de cada integrante. Além de negar a vida após a morte (ressurreição), não nutriam esperança de um messianismo. 

Os fariseus, ao contrário dos saduceus, procuravam focar mais a religião do que a política. Buscavam, entre as massas, ensinar através da tradição, a santidade e a esperança do messias. 

Provavelmente, João, o Batista, tenha se originado de um dos grupos místicos existentes entre comunidades de fé - como a comunidade de Qumran, à margem do mar Morto.

Esse mesmo grupo nos revela a outra vertente do judaísmo, os essênios. Consideravam a si mesmos como remanascentes fieis da história de seu povo. Segundo Josefo, guardavam a lei, mantinham rituais de purificação periódica, renovavam constantemente sua adesão à aliança com Deus e participavam de uma refeição sagrada de pão e vinho. Acreditavam no estabelecimento próximo de um reino trazido por um novo profeta. Apoiavam os fariseus (embora não concordassem com a prática do celibato, o não envolvimento dos animais em sacrifícios e não acreditarem na ressurreição do corpo) e eram contra os saduceus. Acreditavam na imortalidade da alma. Alguns afirmam que Jesus pertencia ao grupo dos essênios.

Outros grupos também faziam parte do cenário, como os herodianos (que apoiou a política e a família dos Herodes); os zelotes - que também eram conhecidos como sicários, devido o punhal que levavam escondido e com o qual atacavam seus inimigos (de caráter militarista e revolucionário opondo-se duramente à ocupação romana); os levitas (que formavam o clero do Templo de Jerusalém e que eram responsáveis pelos sacrifícios e por toda a liturgia); os escribas (conhecedores e comentadores da Lei); os movimentos batistas (que mantinham as práticas de batismo de João); e etc.
O cristianismo, por longos anos, fora uma fatia do judaísmo. Com a Guerra Judaica, no final do séc. I, e a extinção da grande maioria das facções judaicas, o judaísmo gerou o cristianismo como religião autônoma.  Mas o cristianismo jamais se lançou para fora dos arraiais judaicos. Enquanto Jesus trilhava com seus ensinamentos para um lado, o cristianismo buscava reconstruir todos os Templos e dogmas que Ele havia dito "eu porém vos digo...". 

No presente século, por exemplo, os cristãos ocidentalizam a Bíblia para seus relacionamentos cotidianos, mas por outro lado, orientalizam suas práticas litúrgicas. E vale lembrar que os relacionamentos não são vivenciados livremente em Deus se a mente ainda é apriosionada aos simbolismos passados. A libertação se dá pelos exemplos de rua de Jesus e não pelas correntes de uma lei que ausentam o bendito dito "eu porém vos digo...".

Tanto a retórica como a práxis cristã desvalidam os ditos do Cristo para a autonomia da vida religiosa judaica, tornando-a uma vida puramente religiosa nos moldes dos símbolos e das analogias.

Talvez, aquele que se interessar viver uma vida como a do Cristo, deverá pagar o mesmo preço: autonomia para amar a quem se precisa de amor. E o final, todo mundo já sabe.

Por: Nelson Lellis
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Habemus Papam Franciscum

quinta-feira, 14 de março de 2013

Depois de dois dias de um conclave que com certeza será fonte de inspiração para muitos diretores de cinema, dadas as dificuldades para se ter informações e dado o forte simbolismo que cercou o evento, Jorge Mário Bergoglio, um cardeal argentino, arcebispo de Buenos Aires, foi escolhido o novo Papa da Igreja Católica Apostólica Romana, gerando um misto de surpresa e contentamento. 

Para os mais entendidos no assunto, a escolha de Jorge Mário é um "golpe de mestre" da Santa Sé, já que o desgaste provocado pelo clero católico clamava por uma grande renovação e por uma inédita atenção à América Latina, bem como à África, que também vinha forte no conclave que hoje se encerrou. O Brasil, maior país católico do mundo, ficou de fora, pois, segundo as más (ou seriam boas?) línguas, na condição de favorito (quase que) absoluto, o cardeal Dom Odilo Scherer não deveria ter dito o que disse em Roma no último dia de preparação para o conclave. Segundo o jornal "La Reppublica", as chances do brasileiro papável foram ao chão após uma preleção onde nosso patrício defendeu a atual situação da Igreja, falando bem do Instituto para Obras da Religião (IOR) e, o que seria ainda mais "imperdoável", elogiando a gestão do Banco do Vaticano, tão manchada pelas denúncias de corrupção e lavagem de dinheiro. 

Ainda assim, o Brasil ficou de fora, mas nem tanto. Ter um Papa argentino, um latino-americano pela primeira vez na história, já é uma grande coisa, já que o conservadorismo de grande parte da cúria romana apregoava uma volta aos tempos em que o Papa teria de ser um italiano. Diga-se de passagem, desde Carol Wojtyla que a regra se quebrou, pois aquele polonês foi sucedido por um alemão e este, para surpresa (?) geral, por um latino-americano, um argentino. Se escolhido o cardeal africano Wilfrid Napier, arcebispo de Durban, a jogada de Roma teria sido ainda mais perfeita, mas, para sermos bem francos, não há força em Roma para tanta "fraqueza" assim. 

Antes que pareça uma revolução na cúria, é bom que lembremos que Jorge Mário é extremamente conservador, chegando ao ponto de ser veementemente contra todas as questões para as quais se espera uma abertura da parte dos católicos. Para a união civil de homossexuais e para o uso de preservativos, sem titubeio, Jorge Mário diz um sonoro "não". Mas isso não tira do novo Papa um ar gracioso e uma maneira de lidar com o público e com a mídia que parecem lembrar o, para os católicos, saudoso João Paulo II. Como foi dito neste espaço, no texto anterior, era por um novo carismático e midiático que se esperava, já que Bento XVI, o nosso agora novamente Joseph Ratzinger, era bom de Teologia, mas péssimo de mídia.

A prova de que Jorge Mário é bem mais "pop" se mostrou logo no primeiro momento de seu papado. Falando ao público que aos prantos o esperava na praça da Basílica de São Pedro, Jorge Mário Bergoglio disse: "meus amigos cardeais me acharam no fim do mundo", o que provocou risos e empatia do público e da mídia que acompanhava tudo. Pelo visto, então, parece que Roma acertou em cheio e deve ter conseguido eleger mais um "papa pop". Ops, perdoem o vacilo; Roma não escolheu, foi o Espírito Santo.

Se o Espirito escolheu Jorge Mário, Jorge Mário escolheu ser Francisco. Papa Francisco. O melhor de tudo é que, se todo esse evento for política pura, ao menos o nome nos servirá de inspiração para uma mudança real, já que, ao escolher o nome de alguém que deixou a riqueza para vestir sandálias de gente simples e andar no meio do povo, Jorge Mário se reveste de Francisco de Assis, aquele que renovou a Igreja num momento histórico muito parecido com o que os católicos hoje vivenciam.

Ser simples e ser "pop"; eis a dificílima missão de Francisco. Se a busca for por um novo João Paulo II, o começo já parece ser bem promissor, pois o novo Papa, para além de torcedor inveterado do San Lorenzo, time de futebol argentino, é xará de um grande músico brasileiro, o também Jorge Mário, "Seu Jorge". Com compromisso marcado para falar na Jornada Mundial da Juventude, evento católico que vai mexer com o Brasil já neste 2013, Jorge Mário Bergoglio tem tudo para fazer o que Carol Wojtyla conseguiu. Para tanto, é só vibrar quando o saudarem com as seguintes palavras: "Seja bem vindo, aqui nós adoramos ser filhos de Francisco. Salve Jorge!".
Por: Cleinton Souza
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Já não temos mais um Papa

terça-feira, 5 de março de 2013

Mexendo com a história da ainda muito poderosa Igreja Católica Apostólica Romana, Bento XVI acaba de renunciar. Foram oito anos de um pontificado que se mostrava "sem qualquer novidade", logo de início. Ao optarem pelo alemão Joseph Ratzinger, os cardeais católicos colocavam como líder máximo da cúria romana um dos mais geniais e também um dos mais conservadores teólogos de que se tinha notícia. No que nos toca mais proximamente, tratava-se daquele que, tendo sido presidente da "Congregação para a Doutrina da Fé" (Congregatio pro Doctrina Fidei), tinha sido o responsável pela excomunhão de um teólogo e frei brasileiro; o hoje apenas escritor e palestrante, Leonardo Boff. 

Ratzinger, tendo escolhido o nome de Bento XVI, iniciou seu pontificado com uma missão quase impossível: substituir a contento Carol Wojtyla, o Papa João Paulo II, conhecido mundialmente pelo seu carisma e por sua postura extremamente midiática, o que fez com que ele fosse até chamado de "o Papa pop", rendendo-lhe até refrão no rock brasileiro dos anos 1980. E isso, embora o pudesse "assustar", em nenhum momento o fez, até porque Wojtyla vinha de uma carreira de ator e bailarino na Polônia, sua terra natal, o que lhe deve ter ensinado a lidar com toda sorte de exposição ao público e à mídia.

Para muitos, a escolha de Ratzinger há quase uma década seria um grande retrocesso, visto que o mesmo não trazia nem de longe o carisma e a popularidade do antecessor. Todavia, surpreendem as decisões tomadas em tão pouco tempo de pontificado, haja vista o fato de ele ser considerado ultraconservador e, com toda certeza, "inferior" a um antecessor que, de tão popular, chegou a inspirar torcidas de futebol, algo jamais imaginado para o décimo sexto Bento. Para que as tais decisões raras acontecessem, Bento XVI fez já em 2005 uma análise da situação da cúria romana, o que o fez chegar a uma conclusão demasiado forte: "quanta sujeira e quanta soberba existe na igreja e entre aqueles que se deveriam entregar ao Redentor".

Buscando fazer algo que pudesse "limpar" tal sujeira, Bento XVI expulsou o mexicano Marcial Maciel, fundador dos "Legionários de Cristo", por conta de casos de pedofilia. Na mesma linha, o Papa modificou o Código Canônico, instituindo a política de tolerância zero com os clérigos que tivessem em seu poder qualquer tipo de pornografia infantil, e entregando-os à justiça comum, já que "o perdão não substitui a justiça". Ainda, denunciou a corrupção e o tráfico de influência no Vaticano, pedindo inclusive uma varredura no banco local, o que fez com que muita sujeira e atos de corrupção fossem encontrados. Também, e embora tenha continuado contrário ao sacerdócio de homossexuais, concedeu mais dispensas do que João Paulo II para que padres pudessem se casar.

Deste modo, e numa análise comparativa, a surpresa se estabelece: muito mais conservador parece ter sido Carol Wojtyla. Progressista mesmo foi Joseph Ratinger, já que este mexeu no vespeiro que o antecessor parecia fingir que não existia. A diferença se coloca claramente, mas quase não foi percebida, já que a condição de "homem de mídia", fortemente vivenciada por João Paulo II, chegou até a confundir o filósofo brasileiro Luiz Felipe Pondé, que enxergou mais benefícios naquele do que no Bento que agora renuncia. Para Pondé, Bento XVI errou por não saber falar às massas, mas, na verdade dos fatos, João Paulo II, tão bom de massas, não fez para além de instituir mundo afora uma rede de mídia que o ajudou a ajustar contas com os regimes comunistas, já que ele conseguia, fora da "cortina", o cego e incondicional apoio de outros tipos de "Pravdas" e "Izvestiyas" (jornais russos), coisa que Stalin também conseguia, só que do lado de dentro.

A pergunta que não cala, portanto, é: se sai um Papa que, esgotado por não conseguir mudar o estado de coisas que se estabeleceu no Vaticano, e deixando um insuportável lamaçal e uma penosa agenda para o sucessor, qual será a escolha do conclave que agora se inicia? Um Papa mais jovem e duro com as posturas seculares da corrupta cúria romana (como quer Joseph Ratzinger, que inclusive apoia o Concílio Vaticano II, uma espécie de abertura da igreja para o mundo, praticamente ignorado por João Paulo II), ou um "amigo de todos", inspirador de torcidas de futebol e ator de grande categoria? E o primeiro item da agenda papal; será mesmo uma revisão do celibato clerical? Claro que não; falar de celibato é falar de algo que só midiaticamente interessa. Muito mais interessante é começar por uma séria reflexão sobre uma manchete de jornal do dia seguinte à renúncia de Joseph Ratzinger: "Ao deixar pontificado, Bento XVI perde o dom que o tornava infalível". Haja debate.
 
Por: Cleinton Souza
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QUARESMA 2013 | A morte do macho e a ressurreição do novo homem

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

No caminho da boa reflexão cristã conversão é algo que experimentamos muitas vezes ao longo da vida. À luz do evangelho de Cristo somos desnudados constantemente descobrindo aspectos em nós que carecem de transformação a fim de serem adequados às exigências do Reino.
A quaresma como tempo litúrgico só faz apontar para a dinâmica da vida com seus ritmos e tempos apropriados. Na extensão de nossa vida os períodos de reclusão e meditação são fundamentais. Neles sentimos toda a espessura de nosso ser, pois nos atrevemos a uma olhada franca para o nosso coração. Esse perscrutar a si mesmo, iluminado pela palavra de Cristo, nos leva à conversão.

Dentre os muitos aspectos que clamam por conversão nessa nossa saborosa existência humana me proponho refletir sobre apenas um: a noção de masculinidade. Como a quaresma é tempo que antecede e prepara a celebração da ressurreição de Jesus — que é ícone de toda ressurreição —, proponho que meditemos sobre a morte do macho e a ressurreição do novo homem. Esse caminho quaresmal que corpos, corações e almas masculinos são chamados a fazer é a trajetória da conversão.

Tomo como texto iluminador dessa singela peregrinação quaresmal João 12.24. “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto”.

A masculinidade tem sido interpretada ao longo de nossa história preponderantemente sob o signo do macho. Tal interpretação aprisionou o homem numa cadeia de virilidade, violência, poder, insensibilidade e solidão. Dessa cadeia, essa masculinidade pervertida fez seu trono. Um trono que como qualquer outro se constitui em espaço de poder e tirania. Sentado em seu trono, empunhando o fálico cetro, o homem macho dispõe como quer de seus súditos, que não são somente as mulheres como por vezes se imagina, mas também seu próprio ser masculino (que estamos chamando de homem novo) que, reprimido dentro da casca de macho, sucumbe às dores de não poder se expressar.

O macho é um ser só, ou melhor, um quase-ser só. É só, numa sala de espelhos onde tudo que vê é reflexo de sua violência, de sua virilidade, de sua insensibilidade. De vez em quando uma voz lhe soa ao ouvido lembrando que “homem que é homem não chora”, que “macho mesmo é aquele que não leva desaforo para casa”, que “mulher é coisa para comer”. Essa voz, contudo, não o faz menos solitário. Ao contrário, ela só faz aprofundar o abismo da solidão. Ao aceitar a insensibilidade, distancia sua alma; ao assumir a violência, aprisiona seu corpo; ao entrar na ciranda da virilidade falicamente resumida, encarcera seu coração.

Se o grão de trigo não morrer viverá na solidão. Se o macho não morrer viverá encarcerado. Se o grão-macho de homem-trigo não morrer, viverá encarcerado na solidão. O caminho da morte é o único que pode salvar a masculinidade dos contornos perversos do macho. É preciso deixar morrer o invólucro de insensibilidade que prende a alma não a deixando experimentar sua condição de animus e anima. É necessário fazer morrer os mecanismos de violência que atrofiam o corpo, impedindo-o do toque meigo. É urgente ver definhar a coisificação do sexo que brutaliza o coração.
Mas, se o grão de trigo morrer, dá muito fruto. Esse é o movimento de conversão tão próprio da quaresma. Morrer para viver. Morrer para ressuscitar. Morrer para reencontrar-se na companhia fraterna de muitos e muitas. O grão vivo cai na terra e é abrigado por seu ventre generoso. Ali ele vê seus limites rompidos para o surgimento de uma forma mais bela de existência. O macho que permite tal morte pode encontrar no ventre da vida um lugar onde sua verdadeira masculinidade pode arrebentar o invólucro aprisionador, dando lugar a tal existência tão mais plena e cheia de vida.

Convertei-vos! Esse é o apelo da quaresma. Ressuscitai! É o apelo da páscoa. Convertei-vos, oh machos, deixai morrer o velho homem. Isso é o que nos diz o ser de Jesus, em sua alma, corpo e coração. Transformado, o grão solitário é agora ramo mais forte que partilha com os outros ramos a festa da vida. O caminho da morte à vida, do macho ao novo homem, é o acolhimento da fragilidade. Somente no caminho da fragilidade pode haver ressurreição. Frágeis, nos lançamos no ventre da vida, que é o coração materno de Deus, e ali somos restaurados.

Do ventre da vida surge o novo homem. Seu novo ser resplandece pela luz da ressurreição. Não se pode esconder de ninguém tal transformação. É uma luz que não se pode esconder debaixo de um cesto. Ali onde está plantado, novas relações se estabelecem. Os relacionamentos, o trabalho, a Igreja, a família etc., todas testemunham a força da ressurreição. Todos testemunham o vigor da páscoa e reconhecem a força da quaresma.

Para ilustrar o quanto o novo homem ressuscitado se faz notar, divido com você a canção que pode ser chamada de uma canção litúrgica da liturgia ordinária da vida.

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar

E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz

(Valsinha, Chico Buarque)

Essa chegada “tão diferente” é o caminho feito da ressurreição à porta da casa. Chegamos ao mesmo lugar só que não mais como os mesmos homens. Não somos mais machos. Somos novos homens. Acredite, essa conversão pode tudo, desde a companheira que se “fez bonita como há muito tempo não queria ousar”, passando pela “vizinhança [que] despertou”, chegando a “toda cidade [que] se iluminou”. Dessa forma, quem sabe, possamos ainda celebrar “que o mundo compreendeu, e o dia amanheceu em paz”.

Por: Alessandro Rocha
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